Revelo-me na noite
desesperada de profundidade,
Sem receio do brilho das
estrelas arrependo-me da saudade
E num deslize premeditado
liberto o teu nome
Como se nunca o tivesse
esquecido ou arrenegado.
Ignoro os fantasmas
obscenos que me devolvem o medo.
Natural da constelação
das criaturas sem músculo cardíaco,
Preciso-te na véspera de
nunca ter acontecido.
Hoje e sempre, nunca foi
outro este o tempo,
E se eu ainda te resgatar
com vida vou arrepender-me
De todos os meus crimes renunciados.
Num gesto exagerado de abdicação
Converto alquimicamente lágrimas em cubos puros de gelo.
Vendar-te os olhos é ainda pronúncio de reconhecimento.
Ignoro o espelho partido pelo reflexo do meu rumor:
Permanece intacta a memória dos dias por cumprir.
Um fado longínquo de Amália devolve-me o dever do silêncio.
Vejo a prateleira nua onde residia a tua colecção de livros libidinosos:
Apenas restam os sagrados e as gramáticas
Onde se conjugam todos os verbos que inventámos.
A lareira consome vorazmente espasmos de prazer.
Os corpos calcinados povoam os limites deste lugar-comum:
Ressuscitam para o derradeiro êxtase.
Enquanto dedilho as notas
mais sensatas do silêncio
Os teus olhos em fogo
líquido semicerram-se.
Segredo-te ao ouvido
todos os meus nomes de guerra
E perguntas-me pela tua
carta de alforria…
Talvez neste momento eu
não te esteja a escutar
E não te amordaço
prolongando a carícia dos teus lábios
Até ao crepúsculo do céu
da boca seca.
O teu corpo é uma viagem
de circum-navegação.
O tempo estende-se por
uma ténue eternidade,
E tua acreditas que como
não deste pela minha chegada
A minha partida nunca
aconteceu.
Desesperadamente habito-te
à beira do abismo
E num só fôlego arrebato-te
o coração ao peito…
E reconheces a liberdade
efémera do último suspiro.
… E corro, e fujo, com o
teu coração bem apertado em mãos…
Em breve serei um homem
com um coração seu.
Coimbra, 02-01-2019
Comentários
Enviar um comentário