Para a
Aida,
Executa-se a extrema publicação deste anúncio:
O Poeta procura desesperadamente
Musa para possível poema.
Por ser muito exigente com as nove musas
Estas já apresentavam fortes sinais de cansaço e desgaste,
Pelo que o Poeta prescindiu dos seus serviços.
Desde então está suspensa a sua actividade de criador.
Se esta situação se mantiver por mais tempo
O Poeta poderá ser declarado estéril.
Nem
a décima musa, que um amigo cavernoso lhe emprestou,
Conseguiu que o Poeta empunhasse a caneta adormecida.
A Musa escolhida deve ter uma licenciatura em inspiração,
Preferencialmente pela Universidade da Vida.
Deverá ser mais jovem que o Poeta,
E se a sua pele já apresentar alguma aridez
Deve possuir um documento oficial
Que garanta estar dentro do prazo de validade.
A Musa deve apresentar-se à entrevista
Coberta com o mínimo de roupa,
Impreterivelmente de transparência alucinatória:
Assim o Poeta averiguará da sua verdadeira natureza.
A sua maquilhagem deve resumir-se a lágrimas de saudade.
Se possuir algum verso na feição de uma tatuagem
Deve estar disposta a removê-la, se assim o Poeta intimar.
Deve vir acompanhada do diário dos seus últimos cinco anos,
Que lhe será devolvido após a profunda análise
Por um grafologista e por um linguista.
Também deverá vir acompanhada com amostras dos seus
sentimentos,
(Um pequenino frasco por cada sensibilidade),
Para serem analisados em laboratório.
Não deve nunca ter sido Musa de um dramaturgo,
Pois este Poeta requer uma Musa autêntica.
Terá bom ouvido para escutar o chamamento nas noites mais
sóbrias,
E uma excelente visão periférica para encontrar o Poeta
Nos cantos onde se refugia para proteger a sua obra.
As noites em que o Poeta não estiver sóbrio
Corresponderão aos dias de folga da Musa.
Geralmente está abstémio de terça a sexta.
Os Poetas e o álcool têm um longo historial de mútua
inspiração,
Mas a conta do álcool tornou-se insuportável
Para os bolsos desta necessitada criatura.
A Musa não se deverá preocupar com as necessidades básicas,
Como comer, beber e dormir.
Ela viverá do amor para o amor.
Deve prestar devoção a cada um dos deuses voláteis do Poeta,
Disposta ao sacrifício sempre que lhe for solicitado.
Por ser pura nunca olhará de frente o sol,
E da sombra só conhecerá a do seu Senhor.
Por isso quando o Poeta pisar terra prometida,
Ela estará ao seu lado.
O Poeta é generoso para com quem o acompanha,
Nas deambulações pela vida interior.
Frequentemente ao salário serão acrescentadas gratificações,
Dependendo, claro está, do nível de produtividade do Poeta.
Quando gritar silêncio a Musa será a sua música.
Invoquemos as penalizações:
A avaliação poderá alcançar um máximo de vinte pontos:
Não ter nome impronunciável vale a perda de um ponto.
Os olhos terão de reflectir todas as cores do espectro.
Por cada cor não reflectida meio-ponto será subtraído.
(O preto e o branco estão excluídos).
Se a sua beleza for maior do que os olhos
De quem não se pode imiscuir de a enxergar,
A perda pode chegar aos três pontos.
Nunca ter visto o mar corresponde a uma perda imediata de
dois pontos.
Se tiver pecados confessados,
Aí a perda de pontos pode chegar aos quatro.
E não deve acreditar em heróis.
Por cada herói um ponto será descontado.
Os presumíveis filhos frutos da inspiração
Nunca saberão do contrato do Poeta para com a Musa.
Quando o Senhor quiser a ela referir-se
Desenhará um círculo, com um ponto central.
Quando a relação comercial findar entre o Poeta e a Musa,
Esta deverá desmemoriar todos os poemas que o Poeta lhe
consagrou,
Voltar para junto da fonte de onde partira,
Entregue ao lamento da sua perda.
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