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Mensagens

A mostrar mensagens de outubro, 2019

ACUSAÇÃO

Este cenário deixa muito a desejar Para a peça das nossas vidas! Não posso deixar de apontar o dedo Ao escultor de estátuas de sal grosso Que ao temperar a alma com lágrimas Impede que quem compra visões do inferno Cumpra o sentido da fome leviana Na hora da reanimação dos esqueletos. Quem abriu os braços pode ser reencontrado Na periferia de um poema em forma de cruz. E só entra em pânico quem não se deu a morrer Na urgência de amar os filhos dos outros. Os protagonistas estão atrasados? Faltaram ao ensaio geral e agora Volta a ser tudo como da primeira vez… Neste palco já se representaram demasiadas tragédias Para se pensar num final ordinariamente feliz. Quem não conspirou estas paredes despidas Não pode agora, por preconceito, gritar Que o tempo está demasiado seco Para a conformação da cor. Estão todos convidados para a estreia Do espectáculo onde os actores fazem deles próprios! Sentem-se na primeira fila, Que todos os outros lugares Estão reservados aos fantasmas, Em...

PLAYBOY DO VATICANO

Acabei de descobrir que o Vaticano também tem a sua edição da revista mais popular entre os homens que pretendem levar a vida direita. Perdoem-me o excesso de linguagem, mas há palavras e expressões que se não as aproveitarmos no momento ideal, um dia perdemos-lhes o sentido. Apraz-me dizer em minha defesa que encontrei a Playboy do Vaticano por mero acaso… E o download só o executei por curiosidade! Não que a pornografia me passe ao lado! Mal de mim se o écran onde se representa a minha vida não tivesse o pequeno círculo no canto superior direito! Para além de preferir filmes de terror, preciso da pornografia para julgar despidas as pessoas que passam pelo meu mundo demasiado vestido. Gosto das pessoas transparentes! Esta revista vaticanal nem me veio parar às mãos fisicamente, senão ainda julgaria estar na posse de um objecto demoníaco. Andava a fazer uma pesquisa ordinária, sobre batinas e hábitos, e deparei-me com esta revista virtual. Não quero resistir à tentação de a abrir! ...

A ADOLESCÊNCIA DO AMOR

Em memória da minha professora de Química, Neste laboratório já se testaram todos os elementos da tabela periódica na construção da fórmula da felicidade. Já todos reagiram frontalmente uns contra os outros. Chegaram-se a misturar três elementos, dos mais nervosos que se conhecem, mas sempre que a explosão acontecia apenas se descobria mais um tipo de ódio. O primeiro cientista que quis do amor a substância foi um cientista louco que ficou para a História conhecido como Deus-Todo-Poderoso. Precipitou-se a misturar numa amálgama todos os elementos conhecidos, mas o que no fim lhe parecia ser o amor, era apenas terra da mais crua e do tipo mais comum, que se pode comprar em qualquer loja de jardinagem. Tenho na mão uma chave antiga que não cabe em nenhuma fechadura! No ano em que desvendei a composição do amor, a minha primeira professora de Química consentiu que o de matemática reagisse com ela. Onde ela antes via reagentes passou a ver produtos de reacção e onde ele via n...

PROMESSA

Um destes dias súbitos Voltarei a cravar-te os incisivos, A rasgar-te o peito ansioso, E no alvorecer do coração Preferirei dar a lamber-te As primeiras feridas circunstanciais. Da inveja de quem se mantém por morder Nascerá o sentimento de culpa Pelas noites de abandono. Ao sacrificar-te no altar do meu corpo Ainda não sou eu quem pertence À fotografia em que não me convocas. No completar de cada respiração Guardo memória dos desertores: Saltar de pedra em pedra para transpor O rio do esquecimento é usurpar a culpa Do inverno dos sobreviventes! De olhos vendados visito o fim Do mundo. E se de pé tenho o hábito De fugir pelos crimes imputáveis Não confessarei as ordinárias cinzas Às raízes que me aprofundam. De todas as formas o meu coração Pertence à tua colecção de triângulos. As larvas que se apoderarem do corpo, Em letárgico estado de decomposição, Explicarão a necessidade voraz De justificar a minha longa espera. Se me ...

CALIGRAFIA

São maiúsculas todas as letras que me comovem. Troco o nome de quem me identifica. Entregam-me Os símbolos de cada dia e devolvo o significado Comum para as palavras calendarizadas. Nada fica por dizer a seu tempo, ainda que eu escreva Demasiado rápido para não haver uma ordem preestabelecida Nos graus superlativos do silêncio. Até gritar Ninguém se capacite da minha mudez. Expusessem-me à dor E no plural não me entregaria em sacrifício! As vogais mudas merecem ser proferidas Para consolo das consoantes que arranham a língua. Quando abro aspas estendam que ainda posso ser fútil E ao ter medo de ser mal-interpretado, adiar a fuga. Na tragédia de sentir os poemas escritos a céu aberto Fedem os corpos miseráveis em que me senti vivo. As palavras que morrem com um ponto final Não pedem que se acrescente adjectivos Aos sujeitos que vivem desta lixeira! Há aqui depositados suficientes poemas meus Para julgar que não me faltarão as palavras ordinárias...

O PODER DO TOQUE

Tudo o que toco de inerte não é esta a matéria-prima. Preciso de ausentar-me para dizer que aqui me encontro. De vil tenho o dom de reduzir a pó a substância De que se fazem os sonhos na entrega do corpo. Ao regressar do mundo dos mortos que não me completaram Prolongo até ao infinito o desejo da carnalidade Não possuir uma alma desarticulada de luz e sombra. Magramente conformado ao pão que sobra de cada dia Prefiro as migalhas no desafio da multiplicação. A culpa por ainda não haver cura para esta e outras epidemias Deve-se ao facto de quem não se dá a comer Ainda preferir não distribuir os vivos pelas valas comuns. Os nossos cães mais raivosos não possuem a capacidade De desenterrar os que aceitaram a nossa doença Preferida. E eu sou demasiado curioso para não me pôr Em contraluz. Quando me propus a ser sentinela do inferno Não me disseram que todos os que se apresentavam Possuíam salvo-conduto. Analisem os sinais etéreos E concluam, de imed...

A CRUZ E A ESPADA

Aos que nunca partiram… Não me lembro de não pertencer! Regressei de todas as vezes que virei costas Postumamente. Daqui não cheguei a partir. De cada sol aceitei apenas a inspiração Do dia seguinte e hoje fatalmente não é tarde Para o exílio. Ainda não deram pela minha falta. As rugas onde encaixo trazem as feições Do meu primeiro avô. Habituei-me a enfrentar o Cristo De braços estendidos e a lembrar-me de que quem Talhou a madeira, em forma de cruz, No altar da capela da minha infância, Impunha o respeito da minha mãe à mesa, Sem que ela questionasse os irmãos mais velhos Pela ordem natural das coisas genealógicas. É sensato admitir que se não fosse o meu avô Esta capela não apelaria à minha humanidade E eu não teria fé que a senhora do altar à direita Me piscou o olho durante a missa em sufrágio Do homem que forneceu a madeira para a cruz do seu filho. Tudo é sombrio para não esconjurar a luz ténue: Até os vitrais que reflecti...

TUDO OU NADA

Reúnam a superficialidade e incendeiem o juízo Em que me praticam. Os espelhos quebrados Na reciclagem satisfarão outros poetas côncavos E não decretem que foi por me ter dado a ver, Demasiadas vezes, que descurei a sombra desinformada. Devolvam as cartas trancadas e sacrifiquem o lacre Nas velas que teimam a minha luz fora de horas. Não queiram ainda interpretar os símbolos da pele: As datas comemorativas são a consequência natural De não se ser eterno! Evitem cortar a direito a substância Da carne. Subsiste uma cronologia a respeitar! Agora que está tudo pronto desmantelem o corpo! Não se cinjam aos iminentes focos de infecção E prefiram a interioridade onde mais me inquieto. As mãos que me vasculharem por dentro Nem precisarão da legitimidade do álcool! Encontrem sinais de que já nada havia a fazer… Pelos meus refractários olhos sem brilho Há muito que deveriam saber da necessidade De consolidarem-me as pálpebras cerradas. Pelo abdó...