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Mensagens

A mostrar mensagens de 2020
  A ESCOLA DA MINHA INFÂNCIA   Ao longo da vida passamos por muitas escolas. Mas nenhuma nos fornece mais ferramentas do que a primeira. Mas quando já possuímos as ferramentas primárias para podermos responder às perguntas do quotidiano, não nos damos por contentes e prosseguimos na busca desenfreada de conhecimento. Matriculamo-nos em cursos que apenas realçam a nossa ignorância e esquecemo-nos de resolver as coisas essenciais de que nos queixamos, como a falta de tempo e que para estabelecer um diálogo são precisos pelo menos dois interlocutores... A felicidade não vem com as perguntas que conseguimos satisfazer nos monólogos a que nos sujeitamos! Depois de conseguimos as respostas que perseguimos nasce sempre a necessidade de acrescentarmos novas perguntas. E, de compromisso em compromisso, não paramos para descansar de nós mesmos. Estamos todos fartos de nos aturarmos a nós próprios e pensamos que com novas respostas esgotamos a ambição por novas perguntas. Nada mais e...

AMÁLIA

No centenário marcado sobre o teu nascimento.   Minha amiga, estava à tua espera. Não te ouvi chegar, Mas também demorei muito tempo a dar pela tua ausência. Preciso de te pedir uma coisa… Ninguém me sabe dizer O que faço aqui sentado com as mãos enterradas nos bolsos… E de cabisbaixo ganha sentido persuadir as criaturas Subterrâneas a perguntarem se demoro muito A ir ter contigo ao reino onde cantas todas as noites.   Digo barbaridades, e são bastantes as contradições Para perceberem de onde venho. Quanto mais Para onde sigo descalço!… Inquietam-se com a minha fome Quando da última vez que comi não precisei de jogar À cabra-cega para perceber que não estava sozinho à mesa.   Preocupassem-se é com o silêncio! Já que o fado de cada um É saltar do berço para o caixão seria sensato terem-me Guardado as primeiras tábuas para esta urgência de naufragar. E se no fim eu preferir uma âncora? Isso é lá comigo! A minha capacidade para sofre...

E SE O MEU FUNERAL FOSSE POR UM DESTES DIAS?

Se pudéssemos marcar uma data no calendário para a nossa própria morte, a maioria de nós escolheria um ano distante… E em que mês? E em que dia? ´Sei que não escolheria o Natal porque o nascimento do Salvador é mais importante do que qualquer morte de um dos mais comuns dos mortais. Talvez preferisse a data do meu aniversário que assim matava dois coelhos de uma cajadada! E porque se aproxima o meu aniversário, se a data marcada para a minha morte fosse por um destes dias? Já é hábito a morte frequentar as minhas noites, mas até hoje tinha sido sempre a morte dos outros a roubar-me o sono. Esta noite foi diferente! Foi a noite do meu funeral: “Podem-me dizer qual foi a causa de morte?... Estão a dizer-me que eu estava infectado com coronavírus?... Que raio de morte é essa? Derrotado por uma coisa invisível! De certeza que não fui trucidado por um comboio fora de horas ou atingido por um tiro de um caçador que me confundiu com uma presa? Talvez tenham razão… Aparentement...

DESMAQUILHAGEM

Outrora aqui havia um velho espelho, Afeito à contemplação do teu rosto imenso. Reconstrui-o na mesma estação quente Em que sem predestinação o estilhaçaste. Subtrai-o hoje ao fundo da gaveta trancada... Já perdeste o tempo em que lhe pertencias! O branco dos teus olhos nunca foi tão negro! Enquanto figurante na narrativa da vida Podes deixar de conter as lágrimas... Sei que tens medo de não te legitimares… Reencontra o espelho mágico herdado da tua mãe... Superfícies como esta nunca traem a beleza Das progenitoras partidas para parte incerta. Liberta a dor e ultrapassa a superficialidade. Dentro deste espelho serás mais profunda! As linhas por onde quebrou são as tuas rugas E quanto a isso já nada poderás fazer… Como não preparaste o teu rosto em configuração, Na primeira vez que te maquilhaste, Também repudiarás agora toda a tua nudez. Tens aqui uma bacia com água corrente, À temperatura natural do teu corpo arrefecido. Há quanto temp...

GRAFOLOGIA

                                            Aos doutores analfabetos, Com a crescente desvalorização dos vocábulos mais simples, Que não significam mais do que se pretende que traduzam, Prescreveram-me a aquisição de uma nova geração de palavras. Guardo em quarentena todas as que até aqui usei, Mas já fui avisado que a próxima vez que me socorrer De cada uma delas, para colmatar a falta de uma mais apropriada, Deverei cumprir rigorosamente o protocolo do silêncio. Se deixo de perceber as palavras que convoco Como posso ser percebido pelo que deixo escrito? O relatório do grafologista implicou-me! Sou o único culpado pela morte das palavras mais íntimas! E será curta a esperança de vida das novas Se eu teimar em preferir os substantivos aos adjectivos. Como não sei as formas dos objectos primitivos, Nem as cores primárias da minha escuridão, ...