No centenário
marcado sobre o teu nascimento.
Minha amiga, estava à tua espera. Não te ouvi chegar,
Mas também demorei muito tempo a dar pela tua ausência.
Preciso de te pedir uma coisa… Ninguém me sabe dizer
O que faço aqui sentado com as mãos enterradas nos bolsos…
E de cabisbaixo ganha sentido persuadir as criaturas
Subterrâneas a perguntarem se demoro muito
A ir ter contigo ao reino onde cantas todas as noites.
Digo barbaridades, e são bastantes as contradições
Para perceberem de onde venho. Quanto mais
Para onde sigo descalço!… Inquietam-se com a minha fome
Quando da última vez que comi não precisei de jogar
À cabra-cega para perceber que não estava sozinho à mesa.
Preocupassem-se é com o silêncio! Já que o fado de cada um
É saltar do berço para o caixão seria sensato terem-me
Guardado as primeiras tábuas para esta urgência de
naufragar.
E se no fim eu preferir uma âncora? Isso é lá comigo!
A minha capacidade para sofrer só perde fulgor
Quando todos se calam para um minuto de silêncio
Que nada diz desta fatalidade de ser português.
Olha para mim!... Com tanto mundo para descobrir
Não sei dizer o que faço aqui. Da maior parte das vezes
Limito-me a encolher os ombros ou simplesmente
A mudar de passeio na iminência de me cruzar
Com alguém que me faz lembrar quem não fui.
Mas estou aqui a lamentar-me enquanto tu queres
É cantar. Mas pela experiência que eu tenho do destino
Quando te voltares a calar vou perguntar ao teu retrato
Agarrado à parede porque não fechaste os olhos
Quando a luz incidiu sobre a tua candura.
Não me meto nas disputas entre Deus e o Diabo
Mas se Deus te quisesse exclusivamente para si
Eu não me importava de morrer para te deixar de ouvir
Neste inferno. Os que se ocupam a explicar os fenómenos
Naturais dizem que o arrebatamento que provocas
Ainda é de quem está vivo. Mas há gritos que se confundem
Com partidas e murmúrios que se calam
Quando os barcos negros deixam o embarcadouro.
De entre todas as coisas mais que perfeitas
Talvez seja a tua voz que me obriga a repensar
Os conceitos que me sustêm o coração independente.
Se não for para te ouvir não faz sentido estar atento…
Mas é tarde para testemunhar que não chegaste a partir.
Há silêncios que se confundem com largadas de pombos
E todos os dias há cartas de amor que ficam por receber.
Deixo-me permanecer entre o alfa e o ômega.
De todos os acordos que fiz com Deus, a tua voz
Nunca esteve sobre mesa. Da próxima vez
Que O encontrar vou perguntar-Lhe se a voz
Também conta na hora de arrematar a alma.
Não sei se era esta a vontade de Deus
Mas pelo desejo de te ouvir cantar o fado
Deixei de desfiar o rosário. Já desconvoquei
O padre e faço-te um pedido: Na hora minha morte
Seja ainda a tua voz à minha cabeceira.
23-07-2020
https://www.facebook.com/antoniomiguelferreiraescritor/

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